sexta-feira, 3 de junho de 2016

Nos olhos de quem vê

"Olha pra ele, tão errado!" - diziam. 

"Também né.. Com aquela roupa." - sussurraram.

"Tinha que ser... Olha de que família ela veio!" - apontaram. 

"Claro que eles iam agir assim... Olha os lugares que eles frequentam!" - exclamaram. 

"Eles estão saindo juntos? Certeza que é por interesse." - comentaram. 

Disseram,
Sussurraram,
Apontaram,
Exclamaram, 
Comentaram,
E nenhum deles pensou em

Conhecer. 

Talvez seja porque hoje em dia dá mais preguiça. 
Essa coisa de olhar nos olhos, 
De apertar as mãos,
De escutar,
De ajudar.............. Preguiça! 
Melhor ficar com a versão que ouvi por aí. 

Você não sabe porque ela usa aquela roupa,
Você não sabe porque ele gosta de ir naquele lugar, 
Você não sabe porque eles saem juntos, 
Você não sabe porque ele disse aquilo. 
Não atribua sentidos pejorativos. 

Na verdade, você só tem que saber de uma coisa: somos histórias. 

Histórias - todo mundo interpreta.

Mas ninguém além do autor sabe o que realmente significa.



segunda-feira, 2 de maio de 2016

Registros Diários


Esses pequenos parágrafos nasceram da rotina. De uma forma despretenciosa passei a sentir o trânsito, a espera, os faróis vermelhos, ou melhor, como tudo isso me afeta. Cada dia meu corpo absorve algo de uma maneira diferente. No fim da semana, um bloco de notas cheios de mim.

Dia 1:

Passar todos os dias no mesmo lugar e quase no mesmo exato horário te trás alguns sentimentos aleatórios. Sinto que faço parte de uma pequena parte, da vida daquela pessoa que acompanho uma pequena parte da rotina. A mãe caminhando com seu bebê de colo, em um daqueles trecos que mais parecem uma bolsa de canguru, o morador de rua que sentado ao lado do farol observa o movimento e os adolescentes que esperam lado a lado o ônibus chegar. Todos os dias, no mesmo horário, no exato lugar de sempre. A rotina me fez sorrir. 

Dia 2:

Hoje, percebi a roupa que visto. Durante a maior parte dos dias só penso em cada peça que veste meu corpo no momento em que as coloco mas alguns dias são estranhos. Em alguns dias tenho a sensação de estar nua em lugares públicos e sou forçada a perceber os panos que me cobrem. Um pensamento esquisito para uma sensação esquisita.

Dia 3:

Vi desenhaste. Vi escreveste. Vi a arte nascer junto com a expressão daquele homem. Vi a arte pronta, colorindo as ruas de São Paulo. Vi as pessoas te lerem. "Homens! Deixem os assobios aos pássaros". O símbolo feminino entre as penas do pássaro que assobiava militância. A força do grafite me banha todos os dias. Nunca desista. Arte também muda o mundo. 

Dia 4:

O sentimento não é bom, nem feliz e também não é simplesmente estranho. É ansiedade. Coisas demais, acontecendo rápido demais, alto demais. Vejo muita gente na rua, ouço buzinas exageradas, muitas vozes se misturando a música alta no rádio. Um doce, dois doces, três doces. Ocupo minha boca antes que as unhas encurtem e as bochechas criem feridas. Respira fundo, presta atenção no som que seu corpo faz ao respirar, fecha os olhos, desacelera. Isola. Respira. De novo. Acalma. Mais uma vez.


domingo, 24 de abril de 2016

Silêncio musical


O som do crescimento. Existe. Por trás das figuras silenciosas das árvores há um mundo marcado por sons. Um mundo inesperado. A música das árvores é triste, melancólico e ao mesmo tempo, grandioso. Notas agudas se entrelaçam entre os sons mais graves, subindo e descendo, criando uma melodia misteriosa. Uma música profunda que atinge o ser, envolvendo-o. Sente-se o crescimento. Os altos. Os baixos.  Um caos organizado.

O início da música é a árvore já velha, período assinalado por um andamento mais lento, com predomínio do grave. A medida que a vitrola vai tocando, passamos a conhecer uma árvore jovem, na qual há um turbilhão de notas, ficando cada vez mais agitado. Essa é a juventude: caótico, cheio de altos e baixos, reviravoltas.

 O ser humano acaba sendo como uma árvore. Por fora aparentamos ser imponentes. Escondemos a nossa música por trás de uma casca grossa. Mas quando conseguimos traduzir a musicalidade do nosso interior, descobrimos a pessoa verdadeira, essa que tem uma história. Uma história que reflete a vida e o crescimento. Como as árvores, cada pessoa tem uma música, uma voz única. 

Porém, diferentemente dessas, não temos programas para traduzir a nossa música. Cabe a nós a aprendermos a nos expor, por meio da escrita, fala, pintura, movimentos, tarefa que nem sempre é fácil mas que, quando realizado, propõe maior conectividade com os outros e libertação. 

Este ensaio foi realizado com base na música das árvores. É a interpretação dessas vozes transformada em cores, pinceladas, essas que refletem os sons altos e baixos formando uma imagem única. O grave escuro e o branco agudo. Tal como a árvore, a pintura é primordial. Não tem forma certa, assim como o som.



Trabalho usado como base para esse post: 

O artista Bartholomäus Traumeck conseguiu gravar a voz das árvores através da análise de seus anéis. Os dados retirados dessa estudo serviram como base para um processo de transformação dessa informação em música de piano. O embasamento deste ensaio se encontra nas regras de programação, mas os dados extraídos de cada árvore variam, criando uma música e interpretação única.



segunda-feira, 11 de abril de 2016

Indicações de Documentários


Pensando no foco do nosso projeto, decidi selecionar alguns documentários que acredito estarem relacionados de alguma forma com as nossas visões de mundo e opiniões sobre assuntos diversos. Alguns abordam temas um pouco polêmicos, mas valem muito a pena. Inclusive, todos os documentários abaixo são extremamente bem produzidos e dirigidos, além de apresentarem ótima argumentação e expôr os fatos de maneira muito clara. 
  • The Culture High (“Cultura Chapada”)
Sendo bem simplista, é um documentário sobre maconha. Porém, não é uma apologia. Esse documentário explicita os malefícios da Guerra às Drogas e mostra o preconceito que existe contra os usuários da droga. Fala principalmente sobre a maconha no contexto norte-americano, mas acredito ser extremamente plausível para aplicação nos cenários brasileiro e global. Não é necessário concordar com o que o documentário apresenta, apenas manter a cabeça aberta para os fatos. 

  • I Am - Você Tem o Poder de Mudar o Mundo 
Sinceramente? Só assista. É o documentário que mais sintetiza a visão do nosso projeto.

  • (Miss)Representation (“Miss Representação - Falta de Representação”)
Como o próprio nome já diz, é sobre como a figura feminina é representada nos meios de comunicação. Desafia a limitada percepção da mídia sobre o que é ser uma mulher poderosa

  • Living on One Dollar (“Vivendo a Um Dólar”)
Um dos documentários mais tocantes que já vi, mostra a realidade de famílias no interior da Guatemala que vivem, em média, com um dólar por dia. Mostra principalmente como é viver no limite. Os produtores do documentário, buscando retratar da maneira mais real possível a vida dessas pessoas, passaram dois meses junto dessas famílias e viveram também a um dólar por dia. O contraste é extremamente visível. Apesar de parecer que esse documentário se aplica, apenas, àquelas famílias, viver com recursos tão escassos no dia-a-dia é a realidade de 1,1 bilhões de pessoas ao redor do mundo. Uma das coisas que mais me marcou nesse filme foi a frase dita por um dos realizadores: “It’s the situation they’re in that’s holding them back, not who they are” (“É a situação em que eles estão que está impedindo-os de prosperar, não quem eles são”)

  • Girl Rising (“A Ascensão da Garota”)
Esse documentário está com certeza no meu Top 3 Documentáriosquemudaram- aminhavidacompletamente. Ele conta a história de nove meninas de culturas diferentes, mas que se assemelham em suas baixas condições sócio-econômicas e na vontade de serem educadas. Entre as histórias, o documentário apresenta números e fatos que mostram a dura realidade de meninas desfavorecidas, que estão em extrema desvantagem especialmente ao se tratar de buscar uma educação e realizar suas ambições. É um filme que consegue mostrar, magistralmente, a força de meninas ascendendo de um destino premeditado pela situação na qual nasceram. (Obs: me fez chorar… mais de uma vez)

  • Happy (“Feliz”)
Concordando com o título, esse documentário é sobre o que significa ser feliz e a busca vitalícia pela felicidade. Ele utiliza de histórias de vida peculiares de pessoas ao redor do mundo - inclusive a de um senhorzinho muito simpático do Rio de Janeiro - e de entrevistas com cientistas e especialistas da área para nos fazer pensar sobre o sentimento mais ‘raro’ de todos. É realmente esclarecedor e instigante, questiona veemente o que o senso comum diz ser a receita para a felicidade e o que é socialmente aceito como ‘feliz’.


  • On the Way to School (“A caminho da Escola”)
Semelhante ao Girl Rising, esse documentário é sobre educação. Mais especificamente é sobre o caminho físico a ela. Ele mostra as jornadas que muitos jovens de realidades não-mainstream, mas muito, muito, recorrentes, percorrem cinco dias por semana para ir e voltar da escola. Fugir de elefantes de duas toneladas, cavalgar por 17 quilômetros, subir montanhas e pegar carona com estranhos são alguns dos cotidianos expostos por esse documentário revelador.

  • 180º South (“180º Sul”)
Atenção! Esse documentário vai te deixar sentindo fortes vontades de largar a civilização e se mudar para a Patagônia. Bom, pelo menos me deixou assim.Você deve estar se perguntando: o que desobediência civil tem a ver com o Projeto Zora? Deixe-me elaborar um pouco mais sobre esse filme. Ele segue um moço aventureiro chamado Jeff Johnson conforme ele refaz o trajeto que seus heróis - Yvon Chouinard, fundador da marca Patagonia, e Doug Tompkins, fundador da marca The North Face, ambas de equipamento de aventura - fizeram em 1968 em direção a Patagônia. Em meio às dificuldades e surpresas da viagem, Jeff filosofa sobre a relação do ser humano com a natureza, o custo do progreso super-valorizado pela sociedade e o ritmo com o qual estamos progredindo. Em certo momento, o filme joga uma reflexão que vai te fazer pausá-lo para pensar. É maravilhoso. Obviamente não vou falar qual a reflexão, quero que você assista ao filme. Pode ser que você nem consiga distinguir exatamente a qual reflexão me refiro, são tantas. Não se assuste! Esse documentário está longe de ser uma apresentação filosófica maçante. É exatamente o contrário! Você vai começar a filosofar naturalmente. Ele é ótimo para pausar a vida agitada, século XXI, corre-corre, e lembrar que somos habitantes de um planeta não descartável e que, se continuarmos nesse ritmo e nessa conformidade, logo logo, tudo o que conquistamos como civilização pode ter o mesmo valor que atualmente damos a natureza, ou seja, quase zero.

P.S.: só a trilha sonora e as paisagens são dignas de você separar uma hora e meia do seu dia para assisti-lo.

  • TED Talks (“Palestras TED”)
E, finalmente, as TED Talks. 
Para quem não está familiarizado com a plataforma, a Wikipedia salva (https://pt.wikipedia.org/wiki/TED_(confer%C3%AAncia)). Mas, simplificando, é um grupo sem fins lucrativos que realiza palestras sobre assuntos diversos em vários lugares do mundo. São muitas, muitas palestras mesmo, por isso, infelizmente, só consigo recomendar algumas. Caso fique com vontade de outras, acesse o site do grupo (www.ted.com), onde estão disponíveis basicamente todas as Palestras TED já dadas (bônus, a maioria das Palestras podem ser assistidas com legendas em português no próprio site do TED). Além disso, estão disponíveis no Netflix coletâneas de Palestras que se assemelham em temas. Muito agradável.

Então, aqui vão elas, em nenhuma ordem em particular:

1. Chichimanda Adichie: The Danger of A Single Story (O Perigo de Uma Única História);
Sobre o perigo de não entender propriamente a cultura e a história de uma pessoa ou país, caso só tenhamos ouvidos para apenas uma história.
2. Jonas Gahr Støne: In Defence of Dialogue (Em Defesa do Diálogo);
Sobre como o diálogo pode ser, sim, utilizado como solução de conflitos internacionais.
3. Daniel Goleman: Why Aren’t We More Compassionate? (Por Que Não Somos Mais Compassivos?)’
Sobre… Bom, o título é auto-explicativo.
4. Sam Richards: A Radical Experiment (Um Experimento Radical)
Sobre como um americano pode tentar entender as motivações de um insurgente iraquiano, e vice-versa.
5. Dan Gilbert: The Surprising Science of Happiness (A Surpreendente Ciência da Felicidade)
O autor desafia a ideia de que ficaremos extremamente infelizes caso não consigamos o que queremos.
6. Ken Robinson: Do Schools Kill Creativity? (Escolas Matam a Criatividade?)
Sobre como o atual sistema educacional está aos poucos destruindo uma das melhores capacidades humanas: a criatividade.

Dica: Ao pesquisar pelas Palestras no site do TED, utilize o nome em inglês. O player de vídeo disponibiliza a função de escolher o idioma das legendas.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Silêncio
  

Esse é o segundo post de uma série que trata sobre silêncio, sobre como é possível encontrar arte até mesmo naquilo que diziam ser vazio. Desenhos, poemas, fotografias, arte, produzidos durante períodos de silêncio, gravados no áudio.



quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Zenosyne

Acompanhei o crescimento dos pássaros que viviam na árvore da casa ao lado. Acompanhei o nascimento desesperado cheio de berros dentro do silêncio pavoroso de domingo. Vi o crescimento, vi os pelos nascerem vagarosamente e caírem aos poucos enfeitando o ninho, vi e ouvi choros específicos somente compreendidos pela própria mãe que voltava de papo cheio e lindamente alimentava os chorões. Vi a partida, vi os casamentos e a vida toda. Acompanhei cada voo, e cada tentativa deste. E no dia que foram todos embora senti a mais forte desolação ao ver que a vida passa e passou como as águas levemente geladas que lavam meu rosto todas as manhãs e que nem por um segundo sequer permanecem em minhas mãos, escorregando invisivelmente. O sentimento angustiante e dúbio que permeia meus sonhos pedindo como esmola respostas para a pergunta inevitável e ansiosa: estou mais vivo ou mais morto?

Depois que tentei voltar à vida, esta minha que continuava sem os pássaros, inseri-me parcialmente na dobra espacial que corria normalmente sem mim. Fui deformada ao longo do tempo por todas as angústias que pairavam por ali, todas profundamente avassaladoras, progenitoras de futuros ataques de pânico. O que parecia, para alguns, um simples último dia de aula era para mim um passo enorme num futuro inimaginável e grande como os monstros dos livros infantis, biologicamente esses pesadelos conscientes se expressavam por meio falta de ar e tiques nervosos, mãos paralisadas e suor incessante. Acostumei-me, e acho que, inevitavelmente, todos o fazem. O ato de viver, comer e dormir com a ansiedade injustificável. De gastar inutilmente toda energia que ainda resta para tentar conter nervosismos. De sofrer calado, sozinho. De se colocar na solidão e criar a máxima de que ela é mais sua amiga do que você mesma pode ser. De não saber viver sem a eterna vontade de fazer tudo e ao mesmo tempo ser indiferente a todos os desejos. Fazemos todos, inconscientemente, fazemos tudo. 

Por me perder facilmente entre as vozes em minha cabeça, pensei demais. Caí no limbo de tentar reviver o nascimento daqueles passarinhos, senti saudade de momentos nunca vividos, falta de abraços e beijos nunca dados nem sequer planejados. Senti-me sozinha no meio de amigos, de família e no meio da minha própria solidão. Repugnei meu próprio quarto, minhas poesias, minha arte. Senti medo de mim, ódio de mim por chorar e não saber controlar incertezas, neguei ajuda por autossuficiência. Errei deveras. E cada lágrima e insuficiência respiratória foi o meu corpo e mente gritando por socorro que neguei. E se pudesse ter entendido anteriormente, teria feito. O maior medo, talvez, de quem sofre por síndrome de ansiedade é o medo da solidão eterna. O medo de se ver no silêncio ensurdecedor, de se ver parado em meio à correria, de ver a vida como lembrança, de esquecer os nomes e os dias, de chorar seco a perda da vida, de ter o copo mais vazio do que cheio e tentar enchê-lo sem conseguir, de se ver perdido na eternidade do espaço tempo, de ser incessantemente deformado pela vida, de gastar energias alimentando uma solidão que não é tão amiga, de não ouvir mais os próprios pensamentos, de perder amigos, de não conhecer amores, de nunca sair do limbo. 

O que para uns é um pequeno degrau de escada, para nós é a escalada de uma vida. E por mais que não entendidas e ignoradas minhas palavras sejam por você, preciso dizer do fundo d’alma que se cura das dores dessa vida. Há de se chegar o tempo em que respiraremos calmamente todas as lembranças vividas e não esquecidas, sem o pesar nos olhos, com cicatrizes fechadas de feridas de guerra, mas cada uma com a sua história de luta contra tristezas construtivas. Há de se chegar o dia em que o nascer do Sol será a abertura de mais um dia de vida, não um a menos como sempre acreditamos que seria.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Sem título


Essa obra foi feita por mim, Beatriz Luz, durante a única fase que tive como pintora até agora, onde tento representar a maneira como o ser humano molda-se no século XXI. Nada faz meus olhos brilharem mais do que as nuanças (quase imperceptíveis de tão rápidas) das cores em determinadas situações, como no crepúsculo ou na chuva. Eu sempre gostei de pintar e desenhar, por isso estudarei artes. Minha cor favorita é azul e tenho pavor de críticas.

Não gosto de explicar meus quadros e desenhos, sinto um mal estar sutil mas mortal ao fazê-lo. Uma vez que posso influenciar a interpretação de alguém perante ao que produzo. Mesmo que muitas obras sejam o reflexo de seu pintor, e mesmo que eu me enxergue ao olhá-las, quero que as pessoas sejam capazes de enxergar a si mesmas

Tecnicamente esse quadro não é nada rebuscado, sem aplicação de luz e sombra, sem precisão, sem suavidade. O quadro é propositalmente cru. Cru, uma palavra tão oposta no que se refere a significação da obra. Pois todas as cores, traços (e ausência deles), órgãos (e ausência deles), são medidas intencionais. 

Foi o quadro mais rápido que eu já fiz, mas tenho um carinho enorme por ele. Através dele, percebi que a minha arte poderia significar algo para alguém, além de mim mesma (como no episódio de uma moça desconhecida que chorou ao analisá-lo).

Ele é o melhor espelho que eu poderia criar

domingo, 27 de dezembro de 2015

Silêncio


Clique para ouvir o silêncio enquanto lê:



Algo faltava ali.
Ou aqui.
Algo faltava.
E num piscar de olhos
Aquele:
grande
vazio
buraco
negro crescia em mim.
Crescia rapidamente.
Consumia-me exageradamente.
Matava-me dolorosamente.
Perdia-me incessantemente.
Era ou não o fim?
Sei que eu tentava dar um fim
tentava respirar
tentava não pensar.
Algo faltava ali,
nem que fosse uma rolha
para somente substituir
somente fechar
talvez amenizar
algo faltava
mas a dor sobrava
os muros subiam
o vazio aumentava
e nada.
Nada era escrito.
Nada era salvo.
Nada saía de mim,
foram tantas.
Inúmeras tentativas.
Meias palavras escritas
meios choros
meios caminhos.
Algo faltava ali.
Algo que não hei de descobrir.
Acostumo-me com a ideia
de estar ou ser sempre assim.
De todas as perguntas retóricas
somente faço uma para mim
O que falta ainda aqui?


Esse é o primeiro post de uma série que trata sobre silêncio, sobre como é possível encontrar arte até mesmo naquilo que diziam ser vazio. Desenhos, poemas, fotografias, arte, produzidos durante períodos de silêncio, gravados no áudio.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O homem, a caixa, a escuridão e o silêncio

Era uma vez um velho homem.

Esse velho homem estava preso em uma caixa muito pequena.

Essa caixa muito pequena estava enterrada bem abaixo do solo, onde nada era visto e nada era ouvido.

Havia apenas aquele velho homem, aquela pequena caixa, aquele ensurdecedor silêncio e aquela cegante escuridão.

O velho homem não sabia que estava preso em uma caixa sob o solo.

Ele não sabia o que era ouvir, porque nunca havia ouvido, nem nunca emitido um som.

Ele não sabia o que era ver, porque nunca havia visto algo.

E a caixa era tão pequena que ele não sabia que podia se mexer, porque nunca havia tentado.

O velho homem havia envelhecido nessas condições.

Mas, lentamente, o velho homem começou a pensar sobre “e se”s e “por que não”s e mexeu-se um pouco.

Ele sentiu seu peso pressionando as paredes da caixa.

Seu movimento fez um som.

O desconhecido som assustou o homem e ele próprio fez um som de surpresa.

Apesar de, inicialmente, ter soado baixo e rouco, falar era uma ferramenta poderosa que ele descobriu possuir.

Gradualmente, todas as circunstâncias que conduziram a vida do velho homem até aquele momento tornaram-se conhecidas a ele.

Ele se tornou ciente do quão velha sua pele era sob seu fraco e leve toque.

Ele se tornou ciente do quão apertada e pequena era aquela caixa.

Ele se tornou ciente do silêncio, e de que, na verdade,  ele poderia ser preenchido por som,  caso quisesse.

A escuridão continuava a ser um vazio espaço que oprimia seus sons, seus movimentos.

Depois de algum tempo, o velho começou a pressionar as paredes da caixa.

Ele percebeu que seja lá o que fosse aquilo que guardava-a - o solo que a envolvia - era supreendentemente macio e penetrável.

Não era tão rígido quanto a caixa que o comprimia fazia parecer.

Ele sentia uma insistente, inegável vontade de sair daquele reduzido espaço.

A caixa começou a ceder e, cada vez que o fazia, a vontade do homem ficava mais forte.

Então ele empurrou, e empurrou, e empurrou, e empurrou, e empurrou.

Pode ter levado doze dias ou três anos, o homem não tinha noção de tempo.

Mas, após intenso esforço, o homem sentiu uma desconhecida textura ao esfregar a ponta de seus dedos.

Era a terra.

Pela primeira vez, ele sentiu uma variação do que ele ainda não sabia ser temperatura.

Na ponta de seus dedos, sentiu algo diferente do que costumava sentir enquanto estava preso naquela pequena e aquecida caixa.

Era a molhada e gelada terra, que enviou um choque por seu braço.

Era uma peculiar realização, a que tomou conta da mente do velho homem.

Ele percebeu que possuía toda a força necessária para se livrar da caixa, da escuridão, do silêncio e de si mesmo.

Ele se sentiu poderoso, sentiu-se imbatível.

E, de alguma maneira, ele sabia que todos esses sentimentos estavam certos, que eles cabiam no seu propósito.

Já que ele é poderoso, ele é imbatível.

Uma última vez o homem esfregou o estranho material.

Uma última vez o homem analisou as condições nas quais vivia.

Uma última vez o homem abriu os olhos para ver apenas escuridão.

Uma última vez o homem empurrou, e empurrou, e empurrou.

E, pela primeira vez, o velho homem estava livre.

Pela primeira vez, o homem não estava mais restringido a quatro paredes de uma caixa muito pequena.

A luz do sol o golpeou.

Ele sentiu um calor tão diferente daquele que costumava sentir dentro da caixa, porque esse não era opressor, era libertador e estimulante.

Ele viu algo diferente da constante escuridão que o tornava ignorante.

Ele viu o abundante verde. Ele viu o azul.

Ele sentiu o vento. Sentiu-o contra a sua pele e brincando com o seu cabelo.

O homem não estava mais imerso em completo silêncio.

O vento brincalhão criou uma música que fez o homem querer declamar tudo que esteve guardando em sua mente, apenas para fazer parte do som que o envolvia.

Uma sensação de propósito ocupou a mente do homem.

Ela o fez proferir palavras que ele não sabia que conhecia, mas que pareciam apropriadas e certas.

Palavras de alívio, de felicidade, de liberdade, de auto-revolução.

O homem estava fisicamente livre, mas sua mente ainda não havia alcançado tal estado.

Ela estava intrigada, faltava efetivação. E o homem sabia que possuía o conhecimento para alcançar a auto-realização.

Então, ele se sentou na grama esvoaçante e acessou o reino mais profundo de sua mente.

Similar a quando estava se libertando da caixa, de sua antiga vida, ele não estava familiarizado com o passar do tempo, porque ele não possuía nenhuma experiência com seu conceito.

Pode ter levado doze dias ou três anos até que o homem finalmente entendeu.

Finalmente entendeu por que ficou preso naquela pequena caixa, por que foi cegado por aquela escuridão, porque foi ensurdecido por aquele silêncio.

O homem foi o responsável por seu próprio confinamento.

Permitiu que a opressão tomasse conta dele, porque ele havia criado-a.

Ela era de seu próprio feitio.

Essa consumação veio com seu relembrar de quando decidiu libertar a si mesmo e a sua mente daquelas precárias circunstâncias.

Havia sido trabalhoso, mas havia sido feito.

Ele havia se emprisionado e se libertado, fisico e mentalmente.

E, com essa compreensão, o homem alcançou a auto-realização.

Uma revolução havia acontecido abaixo e acima do solo.

A auto-opressão, aquela caixa, aquela escuridão e aquele silêncio haviam sido derrotados.

O homem estava finalmente ciente dos perigos da conformidade e da ignorância.

E, finalmente, o velho homem somos nós.

Nós ainda estamos na caixa, no escuro e no silêncio.

E, agora, é tempo de mudança.

sábado, 7 de novembro de 2015

Depressão

(fotografia representativa por Victoria Ferreira e pintura por Beatriz Luz)

     Eu via (ou ouvia sobre) gente chorando, cortando os pulsos, suicídio. Não entendia aquilo, não entendia porque as pessoas precisavam de tudo aquilo. Achava que era pra chamar atenção, fazer drama, ou simplesmente não entendia. Não entendia porque uma pessoa desistiria de sua vida, parecia outra realidade, outro mundo.

     A única coisa que eu pensava naquelas noites tentando dormir era “o que é que está acontecendo comigo?”. Acabara de voltar de viagem, direto para as aulas, um sentimento enorme tomava conta de mim. Por uma semana eu esperei, chorando todas as noites até dormir. Sentindo falta das férias? Da diversão? Da viagem? Ansioso pelo meu ultimo ano na escola? A verdade era que nada daquilo explicava um sentimento tão intenso, e eu me perdia nos dias tentando entender aquilo.

     Os dias eram mais longos e as noites mais escuras, o mundo parecia parado à minha volta, cinza, artificial. Sorrisos eram difíceis de sentir. Eles estavam lá, claro, eu os via passar, mas não os entendia.

     Procurei ajuda. Depois de semanas que pareceram anos, eu não conseguia entender, algo tinha que estar errado. O médico (psiquiatra) disse que eram sintomas de depressão, me prescreveu um remédio, conversamos sobre meus problemas, e eu voltei para casa.

     Eu ainda não estava feliz. Com a vida que eu levava, uma casa boa para viver, comida na mesa, um família incrível, uma namorada que me apoiava em tudo, amigos, felicidade, como eu podia estar sentindo aquilo? Me culpava, com tanta gente sofrendo tanto por aí, não me sentia no direito de me sentir daquela forma, eu não podia. Demorei a entender que estava doente, que aquilo tudo não era minha culpa, que talvez minha cabeça estivesse tentando me dizer algo, mesmo que eu não soubesse o que.

     Eu perdi muita coisa. Provas na escola, oportunidades de me divertir com amigos, de estudar, perdi minha segurança. Os meses se seguiram em tardes infinitas de um vazio extremo, enquanto tentávamos desesperadamente encontrar a medicação correta, que varia de pessoa à pessoa. Eu não comia, não ria, não falava. Sentia esse vazio fisicamente embrulhar meu estômago, subir pelo meu peito e apertar minha garganta. Sentia vontade de vomitar. Eu não queria admitir, mas meu corpo estava pronto para morrer.

     Todos os meus sonhos, tudo que eu gostava, tudo o que eu mais admirava, tudo o que eu queria fazer, os meus planos, nada daquilo fazia sentido, era tudo enjoativo, morto, sem sentimento, eu sabia e odiava aquilo, queria desesperadamente que fosse embora, queria dormir para não sentir aquilo, e esse fato me assustava.

     De repente, encontramos o remédio, e como num passe de mágica, o mundo voltava a fazer sentido, eu voltava a ser, bom, eu. Ironicamente mas não menos apropriado, foi assim que Zora surgiu, da esperança e para a esperança, eu voltava a acreditar em mim e voltava a acreditar no mundo, as cores voltaram. Eu estava mudado e precisava mudar o mundo, e eu sabia que tinha muita gente à minha volta que poderia me ajudar, que tinha muito potencial, e isso me animava ainda mais.

     Eu achava que depressão era frescura, não tinha sentido, e ainda quando comecei a senti-la, me recusava a procurar ajuda, achava que a culpa era minha. Depressão é uma doença e é coisa séria, se você acha que precisa de ajuda, não hesite em procura-la. Assim como seu coração precisa de um médico, sua cabeça também pode precisar de vez em quando, você pode não conseguir suportar tudo sozinho, e você pode precisar de apoio ou medicação. Tomar medicamento não é uma vergonha, assim como você pode precisar tomar remédio para a pressão sanguínea, pode precisar para corrigir alterações hormonais em seu cérebro, alterações essas que podem causar todos esses sintomas. Se você conhece alguém que se encaixa nesse perfil, também não hesite em ajuda-la e aconselha-la, toda ajuda é vital em uma situação como essa.




     Esse é o primeiro de uma série de posts que visa quebrar pré-conceitos e paradigmas, sejam esses sobre doenças, deficiências, a cor da sua pele, seu gênero, ou sua sexualidade, e que nos farão questionar sobre educação e sobre como tratamos o mundo em que vivemos.  Espero que gostem.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015


Escapuliu


Querem que eu siga o padrão, me encaixe, entre no quadrado, não escape pelas bordas. Seria mais fácil assim, mais fácil para todo mundo, menos pra mim. Nunca quis seguir o padrão, me encaixar ou servir no quadrado, sou feliz fazendo parte dos desajustados, loucos, sem noção, aqueles que contrariam o fluxo. Me trancaram em uma caixinha, para que não pudesse escapar, essa caixinha me impediu de correr atrás daquilo que eu acredito, mas não me fez deixar de acreditar. Adiou, interrompeu, mas eu continuo não servindo, continuo escapando pelas bordas. Um dia, serei grande demais para a caixinha, e a caixinha não suportará mais o peso dos meus ideias, voltarei a correr atrás do que acredito. Acredito que o mundo é daqueles que discordam, questionam, lutam, se sacrificam. Acredito que mudar o mundo nunca será uma tarefa fácil, mas enquanto existirem pessoas que acreditam, haverá uma chance.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Canto aos caramujos

Das marcas que a gente deixa no mundo
e as que ele deixa na gente.

Das ondas que quebram na praia
e forças que quebram correntes.

Dos beijos dados de mãos dadas
e das dores que a gente sente.

Das vidas muito bem vividas
e de outras que alguns se arrependem.

Dos mundos, inúmeros, perdidos
e outros que são inexistentes.

Dos fins até mesmo da Terra
ou desde a possível serpente.

Do rio que desemboca no mar
e dos caminhos todas as vertentes.

Dos sabores de frutas maduras
e das cores ali presentes.

De Poseidon a força bruta
para comandar o mar ingente.

Dos ciclos que a vida nos traz
ensinando a seguir em frente.


Daqui.                  Dali.

De cá.                  Acolá.

Foi quando eu entrei no mar,
Iemanjá.
Que eu senti você falar.
As palavras mais belas, eu entendi.
A luz que vem do luar.
E a Mãe Natureza de longe gritou,
olhe muito bem para você.
siga sua natureza de bicho,
nenhum mal pode acontecer.

Das marcas que a gente deixa no mundo
e das que ele deixa na gente,
ele deixou a beleza da vida em mim,
basta eu plantar a semente.